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quarta-feira, 21 de maio de 2014

Bolsa Família: 75,4% dos beneficiários estão trabalhando

“As mulheres vão ter mais filhos para receber mais dinheiro do governo”. “As pessoas vão deixar de trabalhar para viver de benefício social”. “É claro que as famílias vão gastar mal o dinheiro”. Quando o Bolsa Família nasceu, crenças como essas eram comuns entre aqueles que não acreditavam no programa. Quase 11 anos após sua criação, a iniciativa apresenta bons resultados e é aclamada pela comunidade internacional como um dos mais bem-sucedidos programas sociais do mundo.
Estudos científicos e pesquisas revelam que, mais do que aliviar a pobreza monetária, o Bolsa Família alcançou impactos notáveis na saúde, na educação, na segurança alimentar e nutricional de milhões de brasileiros e brasileiras. A própria trajetória de mudança nas vidas dessas pessoas tratou de derrubar, um a um, os mitos que rondavam o Bolsa Família no seu nascimento.
75,4% dos beneficiários estão trabalhando enquanto 1,7 milhão de titulares já deixaram de receber ajuda do governo
Pesquisas sobre o impacto do Bolsa Família não mostram tendência dos beneficiários em deixar o mercado ou trabalhar menos. Pelo contrário, em muitos casos, o programa estimula o empreendedorismo como forma de completar a renda. Cerca de 350 mil pessoas que receberam o auxílio hoje são microempreendedores individuais.
Histórias como a de Samuel Rodrigues, 27 anos, morador de Belo Horizonte (MG), e a de Odete Terezinha Dela Vechio, 45 anos, de Guaíba (RS). Ele, ex-flanelinha. Ela, uma carpinteira. Dois brasileiros que venceram a pobreza com a ajuda do maior programa de transferência de renda do país e cujos exemplos ilustram como as crenças negativas contra o Bolsa Família revelaram-se meros preconceitos infundados. 

De flanelinha a empresário: o mito do “efeito preguiça”
Todos os dias, Samuel Rodrigues, 27 anos, acorda às 5h30 da manhã, escolhe uma calça jeans e uma camiseta básica preparadas na véspera e senta-se à mesa com a mulher, Ana Cristina, que tem a mesma idade do marido. Depois, desperta o filho Simon, de três anos, e prepara-se para uma nova jornada. O carro popular ano 2011, à porta, simboliza o progresso que ele conquistou e, ao mesmo tempo, uma aposta em um futuro ainda mais próspero. 

Ex-beneficiário do Programa Bolsa Família, Samuel exibe com orgulho, por onde anda, fotocópias de cartazes de sua empresa, um lava a jato móvel: Samuca Lavacar - Higienização Automotiva. “Minha proposta é levar à casa do cliente a mesma qualidade dos serviços de um lava a jato convencional e por um preço mais em conta”, explica. Ele é um dos 350 mil microempreendedores individuais brasileiros, oriundos do Bolsa Família, que hoje incrementam a economia formal do país. 

O exemplo do ex-flanelinha – que já foi garçom, motorista, ajudante de pedreiro e embalador em supermercados – derruba um dos mitos mais comuns do Bolsa Família: o de que o benefício mensal estimula o “efeito preguiça”, levando seus beneficiários à acomodação. Segundo o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 75,4% dos beneficiários do Bolsa Família trabalham. Desde o lançamento do programa, em 2003, 1,7 milhão de brasileiros deixaram de receber o benefício por não precisar mais da ajuda do governo. 

Para o pesquisador Rafael Moreira, autor do estudo Empreendedorismo e Inclusão Produtiva: uma análise de perfil do microempreendedor individual beneficiário do Programa Bolsa Família, as pesquisas não mostram nenhuma tendência dos beneficiários a deixar o mercado formal de trabalho ou a trabalhar menos. Segundo ele, o número de microempreendedores individuais – aqueles com rendimento anual de até R$ 60 mil – oriundos do Bolsa Família saltou de pouco mais de 100 mil, em 2011, para cerca de 350 mil, atualmente. Para Samuel, montar seu próprio negócio trouxe mais segurança e bem-estar à família, além da esperança de oferecer um futuro melhor para o filho. 

“Antes, as pessoas não me respeitavam muito; achavam que lavador de carro não queria trabalhar de verdade. Agora, com minha empresa formalizada, ganho o suficiente para me sustentar, passo nota fiscal, sou respeitado pelos clientes, tenho crédito na praça”, comemora o ex-flanelinha, que lava seis carros por dia, em média, e cobra entre R$ 25 e R$ 30 por lavagem, dependendo do tamanho do veículo. “Eu atendo os clientes em casa e nas empresas e todos se mostram muito satisfeitos com o meu trabalho”, orgulha-se.
Segurança e poder para mulheres
Quem visitar um dos canteiros de obras no município de Guaíba, a cerca de 32 quilômetros de Porto Alegre (RS), poderá se surpreender. Lá, é comum ver mulheres como Odete Terezinha Dela Vechio, 45 anos, de jaleco, calça, botas e capacete dividindo espaço com homens na construção civil. O trabalho pesado não é motivo de preconceito contra mulheres nessa pequena cidade com menos de 100 mil habitantes. 

Com ferramenta nas mãos, Odete, que é carpinteira e armadora de ferragens, impressiona pela garra, força e vontade de trabalhar. Beneficiária do Bolsa Família, casada e mãe de três filhos, hoje com 15, 18 e 25 anos, ela protagoniza uma nova etapa na história social do Brasil – o empoderamento das mulheres e sua ascensão em um mercado de trabalho antes ocupado majoritariamente pelo sexo masculino. 
A história de Odete também derruba os mitos da acomodação e do dinheiro mal gasto por quem recebe o Bolsa Família. “Eu trabalho muito e sempre fiz de tudo. O que recebo do governo é gasto com o transporte escolar da minha filha mais nova”, diz. Ela conta que o benefício também a ajudou a criar a neta quando os pais da criança passavam por uma situação difícil. 

Avaliações sobre o impacto do programa revelam que a segurança de renda proporcionada pelo Bolsa Família contribui para aumentar o poder de decisão das mulheres no lar, o que as leva, inclusive, a questionar a dominação masculina. Estudos de avaliação de impacto do Bolsa Família, realizados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), mostram que a participação das mulheres nas decisões sobre compra de remédios para os filhos, por exemplo, aumentou oito pontos percentuais entre 2005 e 2009. Nas decisões sobre gastos com bens duráveis, a participação feminina subiu 5,3 pontos percentuais no mesmo período. 

Famílias gastam com alimentos, material escolar e roupas 

Samuel conta que, ao conquistar a independência financeira, ele e a mulher devolveram voluntariamente o cartão do Bolsa Família. “O benefício nos ajudou muito, principalmente quando o Taimon nasceu. A gente separava o dinheiro para a alimentação dele. Comprava leite, iogurte, biscoito, o que ele precisasse”. A experiência dele confirma resultados de pesquisas recentes que jogam por terra um segundo mito envolvendo o programa: o de que os beneficiários gastam mal o dinheiro. 

Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), em 2008, revelou que alimentação, material escolar e vestuário são os itens em que as famílias mais gastam o benefício mensal. A pesquisa pediu que os titulares do cartão apontassem os itens em que o dinheiro do Bolsa Família era mais aplicado, podendo indicar até três. No geral, 87% das famílias apontaram a alimentação como principal gasto – na região Nordeste esse percentual chegou a 91% e, no Sul, 73%. O material escolar aparece em segundo lugar, com 46%, e o vestuário com 37%. 

Estudos mais recentes têm confirmado essa tendência. No Norte e Nordeste, por exemplo, o impacto do programa é 31,4% maior que no restante do país. Além disso, as famílias atendidas pelo Bolsa Família gastam mais do que as não-beneficiárias com grãos e cereais, aves e ovos, carnes, pães, legumes, óleos e bebidas não alcoólicas, indicando que o programa contribui para a segurança alimentar e nutricional de crianças e adolescentes.
Taxa de fecundidade, saúde, educação e a “Felicidade Interna Bruta” 

O mito de que o Bolsa Família estimula o aumento do número de filhos e faz prolongar o ciclo geracional da pobreza é outro que caiu por terra nestes dez anos. Ao contrário, o número médio de filhos entre as mulheres mais pobres diminuiu. Análise feita com base nos Censos populacionais de 2000 e 2010, do IBGE, aponta que o grupo de mulheres mais pobres apresentou recuo de 30% no número médio de filhos, enquanto a média nacional foi de 20,17%. 

Em 2013, quando o programa completou dez anos, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Néri, avaliou que os impactos positivos do programa refletiram de forma evidente nas áreas de saúde e educação. Segundo ele, os levantamentos mostram aumento na frequência escolar e queda da evasão escolar de crianças e adolescentes beneficiárias do programa, vacinação em dia, queda da mortalidade de crianças menores de cinco anos, aumento do número de gestantes acompanhadas no pré-natal e redução de doenças relacionadas à pobreza.
Neri ressaltou que o custo-benefício é a maior vantagem do modelo brasileiro de transferência de renda condicionada. O orçamento do Bolsa Família corresponde a apenas 0,5% do Produto Interno Bruto e cada R$ 1 transferido para as famílias se transforma em R$ 1,78 na economia do país”, afirma. Segundo Neri, “o Bolsa Família também contribui para a Felicidade Interna Bruta das famílias mais pobres”. Ele se refere a uma corrente progressista de pensamento, segundo a qual a riqueza de uma nação deve ser medida pelo grau de qualidade de vida e de bem-estar da população.
Felicidade é a palavra que define o momento atual do ex-flanelinha Samuel Rodrigues. Tornar-se dono do seu próprio negócio trouxe estabilidade e bem-estar para a família. “Eu e minha mulher estamos mais felizes, queremos crescer juntos e dar uma boa educação para o Simon”, diz o microempreendedor individual, que pensa em concluir o segundo grau e fazer cursos de polimento e lubrificação de automóvel. “Amo o que faço e, para chegar até aqui, é preciso garra e persistência, não desistir nunca”, ensina. Ele quer se capacitar e aumentar o negócio de lava a jato, contratando pelo menos um ajudante.

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